João de Melo | "Literatura é um sal (o das ilhas que vogam no azul, o das vozes que se extinguem no mar)"
24 Fevereiro às 19h00 | Entrada livre
Com excepção dos nomes e das cores, que se haviam delido no tempo, seriam apenas os barcos – os mesmos desse dia feliz em que papá decidira levá-la a vê-los de perto pela primeira vez. Porque lá estavam ainda, emborcados por cima do convés, os mesmos escaleres cobertos pelas lonas. Estavam as torres, as vigias redondas como olhos de peixe e as mesmas bóias ressequidas, presas dos ganchos. Quando largaram da doca – e o focinho cortante das proas rasgou o pano azul das águas atlânticas, rumo a Lisboa – havia também a mesma chuva ácida do princípio da noite. Além disso, dera-se a chegada das mesmíssimas vacas ao cais de embarque, sendo elas destinadas aos matadouros continentais. E o pranto da muita gente que ali ficou a agitar lencinhos de adeus fora-se logo convertendo num uivo, o qual acabou por confundir-se com o rumor do vento a alto mar.
João de Melo, Gente Feliz Com Lágrimas, cap. 1
"Este o povo que nasceu no mar. Veio-lhe o sangue
do sal. Suas veias boiaram outrora
entre cabeleiras de algas e fungos de basalto.
Abriu-se-lhe a boca no remoto esquecimento
dos búzios. Memória são as conchas desertas
o calhau rolado arenoso silêncio sobre rocha.
Gerado talvez entre o grito enfermo das baleias
e o rasto dos navios. Pois este o povo
se (re)conhece entre areia e mar
no preciso instante em que a pedra
e o corpo se tocam e amam
a água
E por isso os peixes
nos atravessam os olhos
a nado
Viajam entre nós e a certeza
do corpo."
JOÃO DE MELO | BIOGRAFIA
Nasceu na ilha de São Miguel (Açores) em 1949, onde completou a instrução primária, após o que prosseguiu os seus estudos no continente. Em 1967 passou a residir e a trabalhar em Lisboa. Depois de participar na guerra colonial em Angola entre 1971 e 1974 (tema de duas das suas obras mais significativas, a antologia “Os Anos da Guerra” e o romance “Autópsia de Um Mar de Ruínas”), trabalhou na vida sindical, foi editor de autores portugueses e crítico literário. Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pela qual veio a licenciar-se em 1981 com o curso de Filologia Românica. Professor dos ensinos secundário e superior durante vários anos, foi convidado pelo governo português para o cargo de conselheiro cultural junto da embaixada de Portugal em Espanha (que desempenhou durante 9 anos, entre 2001 e 2010). Em 2003, em Madrid, criou a “Mostra Portuguesa” (7 edições), o maior evento cultural português fora de fronteiras.
Autor de mais de 20 obras (ficção, ensaios, antologias, poesia, livros de crónica e de viagem), os seus romances, livros de contos e outros textos estão traduzidos numa dúzia de países (Espanha, Itália, França, Holanda, Roménia, Bulgária, Estados Unidos, Hungria, Alemanha, Reino Unido, Sérvia e México).
Foram-lhe atribuídos os seguintes prémios literários: Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores, Prémio Eça de Queiroz/Cidade de Lisboa, Prémio Cristóvão Colombo (Capitais Íbero-americanas), Prémio Fernando Namora/Casino do Estoril, Prémio Antena 1, Prémio «A Balada» e Prémio Dinis da Luz.
“Gente Feliz com Lágrimas”, o seu romance mais conhecido, foi adaptado ao teatro pelo grupo O Bando, a telefilme e a série de televisão pelo realizador José Medeiros.
OBRAS DE JOÃO DE MELO
A Divina Miséria (Novela), 2009
Luxúria Branca e Gabriela (Conto)
ilustrações de Francisco Simões , 2009
O Vinho (Conto)
ilustrações de Paula Rego, 2008
O Mar de Madrid (Romance), 2006
As Coisas da Alma (Contos), 2003
Literatura e Identidade / Identidad y Literatura” (bilingue) (Ensaio), 2003
Antologia do Conto Português (Antologia), 2002
Açores: O Segredo das Ilhas (Viagens), 2000
O Homem Suspenso (Romance), 1996
Dicionário de Paixões (Crónicas), 1994
Bem-Aventuranças (Contos), 1992
As Manhãs Rosadas (Conto)
ilustrações de David de Almeida, 1991
Gente Feliz com Lágrimas (Romance), 1988
(Grande Prémio de Novela e Romance da APE, 1989
Prémio Fernando Namora, 1989
Prémio Eça de Queirós/Cidade de Lisboa, 1989
Prémio Livro do Ano Antena 1, 1989
Premio Internacional Cristóbal Colón de las Ciudades Capitales Íbero-americanas, 1990).
Os Anos da Guerra (Antologia), 1988
Entre Pássaro e Anjo (Contos)
(Prémio literário “A Balada”, Açores, 1989), 1987
Autópsia de Um Mar de Ruínas (Romance), 1984
O Meu Mundo Não É Deste Reino (Romance), 1983
(Prémio Dinis da Luz, Açores)
Há ou Não Uma Literatura Açoriana ? (Ensaio)
Toda e Qualquer Escrita (Ensaio), 1982
Navegação da Terra (Poesia), 1980
(Prémio Dinis da Luz, Açores, 1989)
A Produção Literária Açoriana nos Últimos Dez Anos (1968-1978) (Ensaio), 1979
Antologia Panorâmica do Conto Açoriano (Antologia), 1978
A Memória de Ver Matar e Morrer (Romance), 1977
Histórias da Resistência (Conto), 1975
INFANTO-JUVENIL
Carta a El-Rei Dom Manuel Sobre o Achamento do Brasil, adaptada para os mais novos (ilustrações de Carla Nazareth), 2009
24 Fevereiro às 19h00 | Entrada livre
Com excepção dos nomes e das cores, que se haviam delido no tempo, seriam apenas os barcos – os mesmos desse dia feliz em que papá decidira levá-la a vê-los de perto pela primeira vez. Porque lá estavam ainda, emborcados por cima do convés, os mesmos escaleres cobertos pelas lonas. Estavam as torres, as vigias redondas como olhos de peixe e as mesmas bóias ressequidas, presas dos ganchos. Quando largaram da doca – e o focinho cortante das proas rasgou o pano azul das águas atlânticas, rumo a Lisboa – havia também a mesma chuva ácida do princípio da noite. Além disso, dera-se a chegada das mesmíssimas vacas ao cais de embarque, sendo elas destinadas aos matadouros continentais. E o pranto da muita gente que ali ficou a agitar lencinhos de adeus fora-se logo convertendo num uivo, o qual acabou por confundir-se com o rumor do vento a alto mar.
João de Melo, Gente Feliz Com Lágrimas, cap. 1
"Este o povo que nasceu no mar. Veio-lhe o sangue
do sal. Suas veias boiaram outrora
entre cabeleiras de algas e fungos de basalto.
Abriu-se-lhe a boca no remoto esquecimento
dos búzios. Memória são as conchas desertas
o calhau rolado arenoso silêncio sobre rocha.
Gerado talvez entre o grito enfermo das baleias
e o rasto dos navios. Pois este o povo
se (re)conhece entre areia e mar
no preciso instante em que a pedra
e o corpo se tocam e amam
a água
E por isso os peixes
nos atravessam os olhos
a nado
Viajam entre nós e a certeza
do corpo."
JOÃO DE MELO | BIOGRAFIA
Nasceu na ilha de São Miguel (Açores) em 1949, onde completou a instrução primária, após o que prosseguiu os seus estudos no continente. Em 1967 passou a residir e a trabalhar em Lisboa. Depois de participar na guerra colonial em Angola entre 1971 e 1974 (tema de duas das suas obras mais significativas, a antologia “Os Anos da Guerra” e o romance “Autópsia de Um Mar de Ruínas”), trabalhou na vida sindical, foi editor de autores portugueses e crítico literário. Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pela qual veio a licenciar-se em 1981 com o curso de Filologia Românica. Professor dos ensinos secundário e superior durante vários anos, foi convidado pelo governo português para o cargo de conselheiro cultural junto da embaixada de Portugal em Espanha (que desempenhou durante 9 anos, entre 2001 e 2010). Em 2003, em Madrid, criou a “Mostra Portuguesa” (7 edições), o maior evento cultural português fora de fronteiras.
Autor de mais de 20 obras (ficção, ensaios, antologias, poesia, livros de crónica e de viagem), os seus romances, livros de contos e outros textos estão traduzidos numa dúzia de países (Espanha, Itália, França, Holanda, Roménia, Bulgária, Estados Unidos, Hungria, Alemanha, Reino Unido, Sérvia e México).
Foram-lhe atribuídos os seguintes prémios literários: Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores, Prémio Eça de Queiroz/Cidade de Lisboa, Prémio Cristóvão Colombo (Capitais Íbero-americanas), Prémio Fernando Namora/Casino do Estoril, Prémio Antena 1, Prémio «A Balada» e Prémio Dinis da Luz.
“Gente Feliz com Lágrimas”, o seu romance mais conhecido, foi adaptado ao teatro pelo grupo O Bando, a telefilme e a série de televisão pelo realizador José Medeiros.
OBRAS DE JOÃO DE MELO
A Divina Miséria (Novela), 2009
Luxúria Branca e Gabriela (Conto)
ilustrações de Francisco Simões , 2009
O Vinho (Conto)
ilustrações de Paula Rego, 2008
O Mar de Madrid (Romance), 2006
As Coisas da Alma (Contos), 2003
Literatura e Identidade / Identidad y Literatura” (bilingue) (Ensaio), 2003
Antologia do Conto Português (Antologia), 2002
Açores: O Segredo das Ilhas (Viagens), 2000
O Homem Suspenso (Romance), 1996
Dicionário de Paixões (Crónicas), 1994
Bem-Aventuranças (Contos), 1992
As Manhãs Rosadas (Conto)
ilustrações de David de Almeida, 1991
Gente Feliz com Lágrimas (Romance), 1988
(Grande Prémio de Novela e Romance da APE, 1989
Prémio Fernando Namora, 1989
Prémio Eça de Queirós/Cidade de Lisboa, 1989
Prémio Livro do Ano Antena 1, 1989
Premio Internacional Cristóbal Colón de las Ciudades Capitales Íbero-americanas, 1990).
Os Anos da Guerra (Antologia), 1988
Entre Pássaro e Anjo (Contos)
(Prémio literário “A Balada”, Açores, 1989), 1987
Autópsia de Um Mar de Ruínas (Romance), 1984
O Meu Mundo Não É Deste Reino (Romance), 1983
(Prémio Dinis da Luz, Açores)
Há ou Não Uma Literatura Açoriana ? (Ensaio)
Toda e Qualquer Escrita (Ensaio), 1982
Navegação da Terra (Poesia), 1980
(Prémio Dinis da Luz, Açores, 1989)
A Produção Literária Açoriana nos Últimos Dez Anos (1968-1978) (Ensaio), 1979
Antologia Panorâmica do Conto Açoriano (Antologia), 1978
A Memória de Ver Matar e Morrer (Romance), 1977
Histórias da Resistência (Conto), 1975
INFANTO-JUVENIL
Carta a El-Rei Dom Manuel Sobre o Achamento do Brasil, adaptada para os mais novos (ilustrações de Carla Nazareth), 2009
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