15 Dezembro a 07 Janeiro
Desenhar um quadrado
Num célebre e importante texto, Didi-Huberman, na tentativa de identificar as forças mais actuantes na escultura de Toni Smith, pergunta: O que é um cubo? Nesta pergunta, claramente vocacionada a deslindar o jogo essencial da escultura minimalista, pode-se, com bastantes salvaguardas e cuidados, substituir o cubo por outra forma geométrica e transformá-lo, por exemplo, num quadrado. E a resposta é: "É uma figura de construção, mas presta-se interminavelmente aos jogos da desconstrução, sempre propício, por montagem, a reconstruir alguma coisa. Portanto, a metamorfosear. A sua vocação estrutural é omnipresente, virtual; mas também virtual é a sua vocação de dispersão noutras associações, noutras associações modulares — que constituem parte integrante da sua própria vocação estrutural." G. Didi-Huberman, O que nós vemos, o que nos olha, ed. Dafne, Porto, 2011
Portanto, este cubo resgata a forma geométrica de um universo puramente formal e abstracto e transforma-a em matéria de inquietação e de interpelação humana: uma forma num processo de permanente transformação, num continuo devir corpo, devir mundo, devir sensação. E aqui devir é um tornar-se.
Servem estas linhas para introduzir os "Desenhos" de Tomaz Hipólito. A sua aparência minimal parece inscrever estes trabalhos num universo exclusivamente formal, frio, sem sangue, mas depois descobre-se um jogo de corpos: o corpo do artista, o corpo do desenho projectado na parede e, finalmente, o corpo abstracto tal como se materializa nos desenhos sobre papel. E é nesta triangulação que devem ser entendidas estas formas.
Os quadrados copiam a planta da galeria e esta replicação da arquitectura serve para o artista tornar consciente a espacialidade própria do seu corpo e do corpo da obra. A utilização do seu corpo permite tornar estas obras mais reais e redime-as do seu aparente formalismo: são quadrados tornados órgãos, tornados arquitectura, tornados acontecimentos espaciais.
Andar às voltas com um quadrado não é uma redundância, mas é ver essa forma como princípio construtivo e uma espécie de estrutura de pensamento. Simultaneamente, é uma experiência com os limites expressivos em que ver e tornar conscientes esses limites permite destruir a sua aparente simplicidade formal e no seu lugar surge um intenso universo de formas que derivam do quadrado inicial. Esta derivação não é uma replicação a partir de uma matriz, mas um devir e uma metamorfose. O seu ponto de ancoragem é uma experiência do espaço e, sublinhe-se, da presença do corpo no espaço: esta é a experiência que alimenta a transformação da imagem e guia a manipulação do corpo no interior da imagem projectada.
Esta exposição consiste num único desenho e na repetição de uma única forma ou um único objecto que surge sob diferentes aspectos. Um recurso que permite descobrir-se uma espécie de gramática do desenho de um quadrado a qual consiste não só na exploração da descrição dos diferentes modos de construir uma forma, mas também da apresentação da geometria como condição do olhar. Assim, esta exposição de Tomaz Hipólito é sobre a descoberta que a simplicidade do desenho de um quadrado é só aparente, atrás dessa aparência surgem questões acerca da espacialidade, da figuração, da composição e, sobretudo, uma inquietação acerca do modo como se constroem imagens e representações. Processo e pesquisas estes que têm como natural conclusão que uma imagem nunca é simplesmente só uma imagem e que uma forma nunca é simplesmente só uma forma: diante de nós revelam-se detentoras de profundidade, espessura, densidade e sempre de uma história.
Nuno Crespo
Dezembro 2011
Sem comentários:
Enviar um comentário