segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Música para aquietar a alma, para a inquietar ou para a des-inquietar?

Que música apetece colocar a tocar quando se chega a casa depois de um dia de trabalho? Música doce e tranquila, cheia de harmonia, capaz de nos recuperar o ânimo? Música plena de sonoridades vivas? Um bom “clássico”, um compositor do século XVIII ou da primeira metade do século XIX? Rock sinfónico? Funk? Rap? Tony Carreira, Marco Paulo? Cançonetas românticas?

Muitos responderão que ouviriam com agrado um bom clássico, dos entre aspas serenos e comedidos compositores com grande estatuto e fama - Händel, Haydn, Mozart, Beethoven, ou até Chopin, que ficam sempre bem numa temporada de concertos e na aparelhagem lá de casa, às vezes enriquecida com as ofertas da imprensa diária e não diária. Para aquietar a nossa alma, ignorando-se talvez como as suas almas foram inquietas e angustiadas. E música contemporânea? Desculpe, disse música quê...? Ah, contemporânea. Música eletrónica?, Não, não, contemporânea. Sim, música com sintetizadores. Não, música contemporânea. Mas isso não é muito electrizante, muito barulhento? Esse tipo de música para um fim de tarde, para descansar? Quem é que aguenta isso? E, depois, não se entende.

Esta imaginária conversa será assim tão ficcional? Se as artes e as letras têm evoluído ao longo dos tempos; se viemos, nas Artes Plásticas, da imitação da natureza até aos - ismos dos nossos dias (começando a maior estranheza e até mesmo o escândalo nos inícios do século XX, com o Cubismo e o Abstracionismo); e se, hoje, experiências  de todo o género, na pintura e na escultura e nas artes performativas, são genericamente aceites e apreciadas, por que motivo não evoluiria também a composição musical e o gosto do público, apesar de muitas reticências, para outro tipo de jogos, de equilíbrios e de harmonias sonoras? Porquê termos, à partida, reacções pouco simpáticas e adversas, por simplesmente acharmos as novas formas de expressão apenas dignas de controvérsia? Provavelmente, precisamos somente de começar a ouvir e a saber quem faz o quê, ligando, depois, não só o nome à pessoa mas sobretudo, neste caso, a linha melódica ou o traço estilístico a um nome de um compositor.

Foi, conforme anunciado, da música contemporânea, para muitos controversa e adversa, talvez por preconceito, que nos veio falar João Madureira e tentou, nos noventa minutos disponíveis, com imensa boa disposição, provar-nos que a música dos nossos dias pode ser apenas diversa mas não perde, para a que a antecedeu, nenhum grau de qualidade nem de intensidade visto que os estados de alma dos compositores do século XX e do século XXI resultam de condicionantes análogas às que inquietavam e perturbavam os compositores dos séculos antecedentes.

Começou João Madureira, então, por afirmar que vivemos, neste começo do século XXI, um momento muito particular, no contexto da cultura musical ocidental visto ser este  “um momento em que assistimos à co-existência de um número aparentemente ilimitado de diferentes expressões musicais.

Perguntou, seguidamente, como achamos que poderá vir a ser possível enfrentar a enorme diversidade com que somos confrontados, lembrando-nos que “a música do século XX parece ser o resultado de uma expansão territorial”. Primeiramente, os grandes compositores alemães, do fim do século XIX, teriam suscitado uma geração de discípulos que levou as suas influências para a França, a Inglaterra, a Itália, daqui seguindo elas para o resto da Europa e para a Rússia. Depois, novos compositores, que foram surgindo e bebendo nessas fontes, estenderam-nas da Europa para o resto do Ocidente e, mais tarde, para o mundo em geral. Chegamos, depois de muitos anos em que vinham estudar para a Europa jovens músicos provenientes de países da distante Ásia, que voltavam ás suas terras para fazer música europeia, a um ponto em que podemos já encontrar música asiática contemporânea, feita nesse continente, por compositores chineses, japoneses, e outros que criam a sua música com autenticidade e identidade local, independentemente dos estudos que possam ter feito noutros países ou continentes e das influências aí recebidas.

João Madureira dividiu a sua apresentação em dois momentos: referiu inicialmente alguns dos acontecimentos mais relevantes da primeira metade do século XX, ilustrando-os com exemplos musicais pontuais, e falou, depois, da segunda metade do século XX, apresentando exemplos musicais mais abundantes e procurando, “nestes dois momentos, distinguir dois modos principais de encarar a música: como reinvenção e como reformulação. Ou seja: como um todo uno, ou como assumção do contínuo histórico a que pertence.”

Assim, filiou toda essa primeira fornada de compositores do século XX em Schubert, dramaticamente, para os seus apreciadores, falecido aos 32 anos de idade. Considerou que, na esteira deste compositor alemão, surgiu um ramo de músicos russos e oriundos de países próximos deste e um outro ramo que incluía compositores alemães e austríacos. No ramo mencionado primeiramente, temos, como iniciador, Rimsky-Korsakov e, no seu seguimento, Stravinsky, Schostakovitch e Bela Bartok, um compositor húngaro. O ramo alemão-austríaco tem, na primeira linha, Richard Wagner e Gustav Mahler e, na seguinte,  Arnold Schoenberg, Anton Webern e Alban Berg. Rimsky-Korsakov e a dupla Wagner/ Mahler vieram a influenciar os trabalhos e a produção dos compositores franceses Maurice Ravel e Claude Debussy, a estes se seguindo mais tarde, na mesma linha de influências, Olivier Messiaen. Para poder dar mais força às suas palavras, foi o nosso conferencista apresentando exemplos de alguns compassos de peças musicais destes compositores.



Na segunda metade do século XX, colocou no vértice de uma pirâmide, como figura principal da qual provêm os grandes músicos contemporâneos, Messiaen. Sob a sua influência, foi escrita a música dos também franceses Pierre Boulez, Tristan Murail e Gérard Grisey,. Entre os compositores italianos por Messiaen influenciados, destacam-se Luciano Berio e Luigi Nono. Com eles, podemos emparelhar o músico húngaro Gyorgi Ligeti, o alemão Karlheinz Stockhausen, o japonês Takemisu e o grego Xenakis.





Posteriormente, na mesma linha de experiências e até de conceitos, cruzando influências, veio a surgir a escola americana, onde se destacam figuras como Steve Reich e Philip Glass.




Desta plêiade de compositores, a que podemos juntar também o finlandês Sibelius e Schostakovitch, alguns ainda vivos e em plena produção, como é o caso de Pierre Boulez, receberam influência uma série de compositores já dos nossos dias, entre eles se destacando duas compositoras (Kaija Saariaho e Sophia Gubaldulina) e vários outros nomes de relevo como Lindberg, Ivan Fedele, Dalbavie, John Adams, Ferneyhough, Wofgang Rihm e o compositor chinês Tan Dun.



Depois de nos dar a ouvir um mix de peças de todos estes compositores, João Madureira finalizou a sua palestra, considerando estarmos a viver um aparentemente conturbado momento no contexto da cultura musical ocidental. Apesar de parecer conturbado, este momento não deixa de ser privilegiado e riquíssimo em manifestações, em experiências e em peças produzidas para delícia de quem aprecia a música e a quer como organismo vivo e, consequentemente, em contínua mudança. Como já Camões dizia no século XVI, “todo o mundo é composto de mudança/ tomando sempre novas qualidades




Links:


Da primeira metade do século XX


1. Franz Schubert – Quarteto de Cordas No. 15 in G major D. 887 (1º Andamento)
2. Igor Stravinsky – Le Sacre du Printemps (início)
3. Arnold Schoenberg – Sechs kleine Klavierstücke, Op. 19 (as seis peças)
4. Olivier Messiaen – Quatuor pour la fin du temps ("Louange à l'éternité de Jésus")

Da segunda metade do século XX
1. Olivier Messiaen – Quatre études de rythme (2º estudo: Mode de valeurs et d'intensités).
2. Karlheinz Stockhausen – Gruppen für drei Orchester (início)
3. György Ligeti – Lontano for Orchestra (início)
4. Luciano Berio – Sinfonia (II O King)
5. Gérard Grisey – Partiels (início)
6. Steve Reich – City Life (Part 1 "Check it out")
7. Ivan Fedele – Imaginary Skylines
8. Luciano Berio – Sinfonia (III - In ruhig fliessender Bewegung)
 (É o mesmo Cd de "4. Luciano Berio – Sinfonia")

Da primeira metade do século XX
1. Franz Schubert – Quarteto de Cordas No. 15 in G major D. 887 (1º Andamento)
2. Igor Stravinsky – Le Sacre du Printemps (início)
3. Arnold Schoenberg – Sechs kleine Klavierstücke, Op. 19 (as seis peças)
4. Olivier Messiaen – Quatuor pour la fin du temps ("Louange à l'éternité de Jésus")

 Da segunda metade do século XX
1. Olivier Messiaen – Quatre études de rythme (2º estudo: Mode de valeurs et d'intensités.
2. Karlheinz Stockhausen – Gruppen für drei Orchester (início)
3. György Ligeti – Lontano for Orchestra (início)
4. Luciano Berio – Sinfonia (II O King)
5. Gérard Grisey – Partiels (início)
6. Steve Reich – City Life (Part 1 "Check it out")
7. Ivan Fedele – Imaginary Skylines
8. Luciano Berio – Sinfonia (III - In ruhig fliessender Bewegung)

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