quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Numa galeria de arte, supõe-se, a priori, que se exponham peças de arte. Terão estas de ser exclusivamente incluídas na categoria Artes Plásticas? Claro que não. Depois de se ver a instalação que Pedro Cabrita Reis mantém, na Appleton Square, desde 18 de novembro, passamos a ter de nos perguntar muitas coisas relacionadas com a definição e o conceito de Arte. É o caos ou a ordem o que Cabrita Reis apresenta naquelas quatro paredes que eram brancas e lisas antes de ele ali chegar e de montar uma ordem nova? Ou montou uma desordem? Ou arrasou para chegar ao princípio? Ou começou outra coisa e de acordo com outros princípios? E é sempre Arte, criação, inspiração, suor, sangue, lágrimas. Ou beleza pura e sem disfarces. Depende do ângulo. 


Mas a Arte não pode ser reduzida a regras, preceitos e convenções, é um conceito amplo: engloba o que se pode fazer, entre outros meios, com as mãos, tenham estas entre os dedos pincéis, espátulas, marcadores, lápis, cinzéis, cordas, teclas variadas, canetas, pautas, tubos produtores de sons... E alcança também o que alguns cantores fazem com a voz.

Tudo isto a propósito do concerto de Sara Serpa, a cantora de jazz que usa a voz como um instrumento em diálogo, neste espetáculo, com a guitarra de André Matos. Não sei exatamente se em diálogo se em fusão porque não podemos dizer que a guitarra está ali para acompanhar o canto da intérprete. A guitarra complementa o scat, quando é esta a opção da cantora, suporta-o, mas conversa igualmente com a voz, seja quando ela apenas vocaliza seja quando pronuncia palavras em português dos dois lados do Atlântico ou em inglês.

Over an Ocean Away encantou todos os que se deslocaram à Appleton Square e foram muitos, de todas as idades. Tantos que o chão foi escasso para os que não se conseguiram sentar nas cadeiras disponíveis e numerosos foram os que ficaram ainda pelas escadas. Pelo oceano fora, fomos navegando ao som da voz e da guitarra pelos cerca de noventa minutos da atuação deste duo, tendo como cenário, no interior do cubo branco, um público caloroso. A voz da Sara é muito límpida e percebe-se que muito trabalhada, para isso contribuindo a sua formação clássica. Atinge sons muito altos mas modula-os sem esforço nas improvisações a que se entrega. É o canto na sua forma mais absoluta, despido das palavras.

A guitarra de André Matos não entra em competição com a voz mas não se limita a segui-la. Tem, na interpretação, uma segurança e uma ousadia notáveis, um inventar de sons insuspeitos nesse tipo de instrumento. Uma excelente combinação, a voz e as cordas desta guitarra, a Sara e o André.

Depois da conferência de João Madureira sobre Música Contemporânea, em 14 de dezembro, este concerto foi a segunda das realizações na Appleton Square e corresponde inteiramente aos objetivos deste projeto: apresentar, com uma frequência tanto quanto possível regular, em sessões com entrada livre, pessoas que conversarão com o público sobre temas ligados à música, à literatura, ao teatro, à engenharia, à arquitetura, à dança, à história da arte, ... Essas conversas alternarão com concertos e performances de índole diversa.

A próxima realização é uma conferência subordinada ao tema Construir, destruir, reconstruir - Dos terramotos à arte contemporânea. No dia 6 de janeiro, às 19h00, esperamos por si. A entrada é livre.

por Mercês Moita, coordenadora do 5às7

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